A Oxfam Brasil alerta para os graves retrocessos embutidos no PL 2159/2021, conhecido como PL da Devastação, que atualmente aguarda nova votação na Câmara. O documento altera profundamente o processo de licenciamento ambiental no Brasil, estabelecendo hipóteses de dispensa de licenciamento, flexibilizando exigências e ampliando o uso da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) a empreendimentos de médio potencial poluidor, com base apenas em autodeclaração do empreendedor, sem a obrigatoriedade de análise técnica prévia.
Além disso, desvincula o licenciamento ambiental de outros instrumentos de controle, como outorga de uso da água, e fragiliza a participação social e o respeito aos direitos de povos indígenas, comunidades tradicionais e populações vulnerabilizadas.
Quais são os retrocessos? E por que são prejudiciais?
- Art. 21: Ampliação indevida da LAC
Hoje, o Supremo Tribunal Federal reconhece que a LAC é válida apenas para atividades de baixo risco. O PL amplia seu uso para empreendimentos de médio impacto, sem análise técnica, o que ameaça a proteção ambiental e as comunidades vulneráveis.
→ Alternativa: manter a LAC restrita a atividades de baixo risco, com critérios objetivos definidos por norma técnica federal e controle posterior efetivo. - Art. 9º: Dispensa de licenciamento para atividades agropecuárias
O PL isenta diversas atividades agropecuárias de licenciamento, mesmo em áreas de preservação ou próximas a comunidades tradicionais, ampliando o risco de desmatamento, contaminação hídrica e conflitos territoriais.
→ Alternativa: definir critérios objetivos e zonamento ambiental para dispensas, excluindo áreas sensíveis e comunidades tradicionais. - Art. 16: Desvinculação do licenciamento da outorga de uso da água e uso do solo
Permitir o licenciamento sem considerar a disponibilidade hídrica ou compatibilidade de uso do solo compromete o ordenamento territorial e o direito ao o à água de comunidades já vulneráveis.
→ Alternativa: integrar os processos, assegurando avaliação integrada e consulta às comunidades impactadas. - Arts. 38 a 42: Redução da participação social e das autoridades envolvidas
O projeto reduz o controle social e técnico sobre os empreendimentos, limitando a participação de órgãos ambientais e da sociedade, além de ignorar o Direito à Consulta Livre, Prévia e Informada, garantido pela Convenção 169 da OIT.
→ Alternativa: assegurar participação plena das comunidades tradicionais e manter instâncias de controle interinstitucional obrigatórias.
Por que esse projeto aprofunda as desigualdades e injustiças ambientais?
Flexibilizar o licenciamento é oficializar o recado: o lucro vale mais do que a vida. E quem mais perde são os mesmos de sempre.
As populações vulnerabilizadas já são as mais impactadas por desastres ambientais:
- 75% das pessoas em situação de extrema pobreza vivem em áreas urbanas precárias ou zonas rurais sob risco ambiental (Oxfam Brasil, 2023);
- 72% das pessoas atingidas por barragens de risco são negras (IPEA, 2021);
- 34% do desmatamento na Amazônia em 2022 ocorreu em terras indígenas e unidades de conservação (INPE);
- 70% dos trabalhadores globais estão expostos a riscos para a saúde relacionados às mudanças climáticas (OIT).
A flexibilização ignora as desigualdades estruturais do Brasil e favorece a expulsão de comunidades de seus territórios para dar lugar a empreendimentos predatórios. Isso significa mais deslocamentos climáticos, mais insegurança alimentar e menos condições de vida digna para os mais pobres
Enquanto grandes empreendimentos lucram, são as comunidades negras, indígenas e periféricas que ficam com a lama, a fumaça e a falta d’água. Sem licenciamento ambiental forte, as principais vítimas já têm cor, CEP e nome.
O Brasil precisa de políticas que protejam as pessoas e o meio ambiente, combatam o racismo ambiental e garantam a permanência digna das comunidades em seus territórios. Licenciamento ambiental não é obstáculo, é proteção. É direito.